10ª MICAR: Memória contra o Colonialismo – do silêncio à reparação

Na 10ª edição da MICAR resgata-se o debate sobre a reparação histórica face ao passado e ao presente da violência racista. Este debate visa confrontar diretamente um muro de silêncio com alicerces no Estado Novo, mas que o Portugal Democrático não soube derrubar na sua totalidade. O cinema será a tela a partir da qual reconvocamos um processo de descolonização de mentalidades que se mantém inacabado e urgente.

O ano de 1961 é um ano decisivo na história da luta dos povos pela sua autodeterminação. Iniciava-se um conflito armado que colocava em oposição o regime colonial português e a resistência dos povos africanos colonizados, numa guerra que em breve se multiplicaria por três frentes. É o final de um dos últimos impérios europeus, a ruptura com a propaganda do “lusotropicalismo” e a derrocada da hipocrisia e ilusão dos “brandos costumes”. Dentro de fronteiras e fora delas, cresciam as consequências de uma “guerra colonial” nunca reconhecida como tal. Era o início da queda da longa marcha opressiva da ditadura portuguesa, que enfrentava uma cada vez mais organizada resistência.

Os Movimentos de Libertação, alimentados pelo dinâmicas do anti-imperialismo que floresciam um pouco por todo o mundo, desempenharam um papel decisivo não apenas na independência dos seus respetivos Estados mas, de forma direta e indireta, para o desmantelar a maquinaria colonial e ditatorial do Estado Novo português. Nestes Movimentos de Libertação  nascem os setores da oposição, a organização da resistência e mesmo a génese do Movimento das Forças Armadas, decisivo no movimento revolucionário do 25 de abril.

 Quase meio século após a conquista da autodeterminação pelos Estados Africanos, já em Democracia, está por ultrapassar o silenciamento da guerra colonial, que se mantém como uma das mais evidentes e intensas feridas abertas da história do país. Num momento em que se aproxima a celebração dos 50 anos do 25 de abril, urge enfrentar um passado recalcado que espreita por sobre os ombros do presente do racismo institucional que segrega cotidianamente as pessoas racializadas. É de racismo que nos falam as vozes reprimidas das vítimas da guerra, como é de segregação que se faz o escasso reconhecimento da função dos Movimentos de Libertação na descolonização de territórios, como de mentalidades.     

Com a força das imagens e sons do cinema, damos protagonismo e amplificação aos testemunhos e às vozes da guerra colonial que têm permanecido esquecidas, bem como a todas as outras que foram silenciadas pela violência colonial e que permitam suscitar a função reparadora da memória como lugar de justiça histórica e disputa antirracista.